Hoje quero te convidar para refletir sobre o egocentrismo parental, essa incrível habilidade de reconhecer apenas o próprio reflexo nos filhos e, assim, acreditar que somos tão importantes que só nossa existência já bastaria para ensinar nossas crianças a viver no mundo. A famosa (e perigosa) ideia de que somos ou precisamos ser um exemplo.
Meu relógio biológico se adiantou e, aos sete anos, meu peito despontou; os pelos ocuparam novos lugares e o cheiro já não era apenas o de uma menininha suada. Fui apresentada à puberdade ainda criança e precisei me entender com um corpão que não parecia me pertencer. Estiquei para fazer tudo caber e, aos dez anos, me considerava uma adolescente madura, quase uma adulta, apesar de treinar o tão sonhado beijo de língua com o espelho. (Por favor, alguém diz que também fazia isso para eu não ficar sozinha nessa confissão!)
Diante desse fascinante artefato que refletia minha imagem, eu era uma personagem sensual, articulada, mandona, segura de si. Um projeto de mulher ou da mulher que habitava o meu imaginário. Enquanto escrevo, me pergunto se treinei tudo isso com disciplina, numa imitação barata do que eu admirava, ou se apenas deixei aflorar algo que já estava em mim e eu não sabia. Escrever é se encarar, né? Já tenho um tema para minha próxima sessão de análise. Obrigada, Substack.
Voltando ao espelho, lembro com muita clareza de ter estabelecido uma relação com meu reflexo. Acomodar tantas transformações físicas e emocionais foi um trabalho duro, feito sem ajuda de terapia, e foi olhando nos meus próprios olhos, através do reflexo, que consegui me entender. Ou algo assim. Eu era uma ótima companhia, uma boa amiga, sabe? Daquelas que te colocam pra cima, que sempre soltam uma piada boa e suavizam o clima denso. Ali, diante do espelho, eu era capaz de me acolher e me incentivar. Criava diálogos com professores, amigos, paquerinhas, com minha mãe... E de frente para mim mesma, dizia tudo o que era preciso, com muita assertividade e um certo deboche. Era quase um psicodrama, uma elaboração que eu fazia sobre meus dilemas, de maneira levemente controladora , afinal, era só eu ali.
Mas, sem a presença do outro — com uma voz diferente da minha, um cheiro diferente do meu, e um jeito que não era o meu — os diálogos começaram a perder a graça. É fácil dominar quando tudo é monólogo, e eu cansei. Com doze anos, eu não queria mais o meu reflexo, queria gente de verdade. Queria colocar em prática o que havia treinado. Queria ir para o mundo em busca de algo além de mim. Eu sabia que não seria fácil, porque já tinha experimentado esse sabor, mas não estava com medo. Estava disposta e aberta para esse encontro.